Nosso cérebro não consegue memorizar todas as nossas vivências, com todos os detalhes ou a ordem exata de vários fatos ao longo da vida, por isso se eu te pedir para pensar na sua história de vida até aqui, sua mente irá começar a tentar organizar as lembranças que guardou num tempo, espaço, detalhes diferentes do que realmente foi, fato é que isso vai definir como você vai se sentir em relação a sua história no final.
Porque eu disse tudo isso?
A edição funciona da mesma maneira! Ela é capaz de pegar uma construção linear de fatos e distorcê-la, realocando os fatos em diferentes ordens a fim de trazer um novo sentimento ou/e sentido para aquilo.
Para compreendermos melhor o presente vamos voltar um pouco no tempo, assim entenderemos também que toda essa evolução se deve a um desejo antigo que foi tomando forma através das eras.
5.000 A.C.
Teatro de Sombras – China 5.000 A.C.
A ideia de contar histórias e representá-las visualmente é antiga, ela começa a mais ou menos 5 mil anos A.C., lá na china com os teatros de sombra, com direito a lenda chinesa e tudo mais, mas vamos avançar um pouco mais na história.
Séc. XVII
O mundo deleitava-se ainda com a projeção de sombras, dessa vez com aparelhos mais sofisticados como: a Lanterna Mágica. Inventada pelo neerlandês Christiaan Huygens.
Lanterna Mágica da cidade alemã Aulendorf
Christiaan Huygens – 1629~1695
Também conhecido como epidiascópio, teve seu primeiro registro na história em 1645 por uma sacerdote jesuíta em sua obra Ars Magna Lucis et Umbrae. Este aparelho é munido de um jogo de lentes acopladas a uma câmara escura e também uma luz de uma lâmpada de azeite junto a um condensador, entre a câmara escura e o jogo de lentes era inserido placas de vidros pintadas com desenhos que assim eram projetadas através das lentes para uma superfície clara à frente assim como fazem os projetores modernos.
Algo muito interessante é que ao mover os vidros era possível criar uma ilusão de movimento, junte isso com um narrador que se encarregava de contar uma história enquanto os vidros eram manipulados, e às vezes até músicos, então você tinha um belo entretenimento pra época!
“Vai um pouquinho mais pra esquerda? Ai, perfeito, agora diga: X!”
Tudo bem, tudo isso eram apenas representações artísticas, para entender a história do filme precisamos entender um pouco da história da foto. Então… Quando surgiu a primeira foto? Um registro real, fidedigno para um marco?

Em 1826 o francês Joseph Nicéphore Niépce lá em Saint-Loup-de-Varennes, na França, posicionava a folha de estanho coberta de betume por oito horas seguidas na frente de uma janela, esse processo demorava muito como você pôde perceber e só permitia que fosse criada uma fotografia por vez, era chamado de heliografia.
1895
A fotografia já havia avançado consideravelmente desde 1826, então dessa vez estamos em 1895 com os irmãos Auguste e Louis Lumière, eles são responsáveis pelo cinematógrafo.

Fazendo o trabalho completo, este maquinário com pouco menos de 5kg já permitia captar, revelar e projetá-lo numa tela sem a necessidade de energia elétrica. E é graças a todas essas características que o aparelho era prático e versátil para a época, destacando-se então dos demais aparelhos similares que surgiam, levando assim o título de marco zero para o cinema. Sua primeira projeção para o público foi ainda em 1895 com o filme: A chegada do trem na estação, que era… Um trem chegando na estação (rs).
L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat – (A chegada do trem na estação) é um filme francês de 1895, gravado por Louis Lumière e por Auguste Lumière.
Sabe quem estava nessa plateia? Georges Méliès, ilusionista, o cabeça em muitas das tecnologias e narrativas nos primeiros passos do cinema. Esse cineasta francês que não era bobo nem nada, vê na invenção dos irmãos Lumière uma oportunidade de mostrar seu trabalho, criando assim a sua produtora, a Star Film, em 1896.
Marie Georges Jean Méliès – 1861~1938
As primeiras Manipulações
Em um de seus rotineiros dias gravando em sua produtora (Star Film), a câmera do francês travou enquanto filmava um ônibus, quando voltaram a filmar era um carro fúnebre que estava passando no lugar do ônibus, mas calma, não era a morte do cinema, mas sim só o começo.
Georges percebeu que este peculiar aparelho poderia distorcer o tempo e espaço, e era isso que sua produtora precisava para inventar o CORTE! E não só o corte como também a sobreposição de imagem, o stopmotion, a transição por dissolução (fade-in / fade-out), manipulação gráfica de imagens e até mesmo ilusões de ótica.
Tudo isso era feito a mão e foi assim durante muito tempo que essa pioneira produtora começou: Com tesoura ou uma navalha por exemplo, o editor escolhia e cortava o quadro desejado e depois recombinava juntando-os com fita adesiva. Conforme iam experimentando as diferentes ideias, o caminho que o cinema iria percorrer era cada vez mais claro para aqueles que se aventuravam com as telinhas.
A seguir veremos conceitos, técnicas, regras, tecnologias como os monitores e projetores que ajudavam bastante a cortar / criar os filmes. Tudo isso começou não só a ditar a indústria do cinema, mas também mostrava a importância e o poder do editor para produzir filmes.
1902
Neste ano se você estivesse dando um passeio por Nova York, poderia encontrar Edwin Stanton Porter desenvolvendo os princípios da narrativa e da montagem, juntando o estilo documentalista dos Irmãos Lumiére e o olhar fantasioso de Georges Méliès com o filme Life of an American Fireman, mais tarde consolidado com o nome The Great Train Robbery, que tinha a duração de 11 minutos e já usava planos de diferentes lugares e momentos para com diversos cortes para criar a narrativa, realizações essas também fundamentais para a história do cinema.
Edwin S. Porter – 1870~1941

O Nº1
David Llewewelyn Wark Griffith ou apenas D. W. Griffith começou sua carreira no cinema em 1908, foi pioneiro no suspense, montagem paralela, movimentos de câmera, close, quando o assunto era a dramatização. De 1908 a 1913 Wark conduziu cerca de 450 curta-metragens e só em 1914 começava a fazer seus longas com a indústria do cinema de Hollywood, trazendo a montagem paralela que consistia em explorar múltiplas linhas de uma ação até o último minuto, a fim de criar um suspense.
David foi considerado por muitas pessoas importantes pro cinema como o diretor mais influente de toda essa história até hoje.
“Quem está aí? […]”
Pensa num segredinho guardado a sete chaves. Eram os editores, normalmente vistos como mão de obra apenas e não como parte fundamental da criação como é hoje em dia, onde os mesmos se tornam parceiros inseparáveis do diretor durante todo o processo.
Durante muito tempo o trabalho do editor era quase invisível, pois eles pensavam assim: Quanto mais imperceptível fosse o corte no vídeo, melhor era o editor, mas o problema nisso tudo é que em contrapartida, menos era visto a importância do coitado cortador de películas.
“[…] Sou eu, Serguei Eisenstein.”
Saindo do comum, Serguei fazia de trabalhos como o de Griffith serem clássicos, por suas propostas originais com cortes que colocavam imagens e ideias em confronto umas com as outras, como no filme O Couraçado de Potemkin. Diferente dos demais, esse cineasta sovietico gostava de fazer com que o público entendesse que estava assistindo um filme, os cortes eram evidentes e ajudavam na narrativa com fervor revolucionário de ideologia marxista onde essas diferentes ideias e imagens expostas criavam um terceiro significado mais relevante.
Serguei Mikhailovitch Eisenstein – 1898~1948
Moviola – 1926
Moviola – 1926
Como dito anteriormente, o processo de edição era manual e continuava sendo, mas o grande diferencial dessa maquina que fez dela um marco na edição de filmes era a produtividade, qualidade e praticidade que gerava pois auxiliava muito os editores a visualizar o filme que estavam cortando e acharem o melhor ponto para fazê-lo.
“Solta o som editor!”
Em 1926 surgia o primeiro filme com trilha sonora, Don Juan da Warner Bros. Pictures.

Isto só foi possível com o Vitaphone que utilizava de uma técnica com marcas físicas no rolo de filme e no disco fonográfico que rodavam por um sistema de motores síncronos.

Adeus Moviola, olá Ilhas de edição!
Até por volta da década de 70 a popular moiola era o principal aparelho de edição usado no mundo, mas acabaram dando lugar as ilhas de edição que ao inves de peliculas usava a fita magnetica para a edição.
O processo era basicamente igual ao feito nas películas, você escolhia o ponto de corte e depois juntava com o seguinte, mas agora não era mais necessário cortá-la fisicamente! O lado bom é que isso garantia uma melhor qualidade e precisão nos cortes, enquanto o lado ruim é que o editor ficava preso a uma edição linear, pois, ele controlava numa mesa a fita original e também a fita a ser editada, e só então começava os processos de seleção e cortes da fita original que seriam passadas para a fita virgem, que também era gravado linearmente na outra fita.
Foi só com a chegada dos computadores que nós podemos ver a edição como é hoje, não linear, pois estes softwares podem fazer tudo o que era feito antes de forma manual e muito mais, sempre armazenando na memoria as decisões tomadas, que podem ser replicadas para dar origem a uma outra versão e assim por diante.
Técnico em computação gráfica desde 2013, amante das maravilhas do audiovisual desde pequeno. Alguém para o mundo que eu quero editar.